Um tweet do treinador da campeã olímpica dos 10km, Fernando Possenti, chamou a atenção após a realização da prova dos 400 metros livre no Campeonato Brasileiro Absoluto de Natação – Troféu Brasil, que está sendo realizado no Parque Aquático Maria Lenk, no Rio de Janeiro, esta semana (4 a 9 de abril).
Começamos bem! Arbitragem feliz de desclassificar pela primeira vez na carreira a atleta que saiu com pior RT!! Incompetência a serviço da natação. Nada muda, afinal pra ser ouvido tem que vir ao Twitter @CBDAoficial @timebrasil @rcordani
— Fernando Possenti (@FernandoPossen1) April 4, 2022
O tweet faz menção à desclassificação de Ana Marcela Cunha na prova e, segundo a arbitragem, por movimento no momento da saída.
Possenti argumentou que o movimento não dá vantagem ao atleta, indicando que o tempo de reação foi o pior da série em que Ana Marcela nadou.
O vídeo abaixo mostra a prova transmitida ao vivo pelo Canal Olímpico do COB e não ajuda a tecer qualquer decisão pelo ângulo em que a câmera ficou no momento da partida:
Mas no replay transmitido após o término da prova e do anúncio da desclassificação, é possível verificar um movimento da atleta, para trás, antes da partida:
De acordo com a regra da FINA, em específico a SW 4 que trata sobre “Partidas”:
SW 4.1 – A partida nas provas de livre, peito, borboleta e medley será efetuada por meio de salto (mergulho). Ao apito longo (SW 2.1.5) do Árbitro Geral, os nadadores devem subir no bloco de partida e ali permanecer. Ao comando “às suas marcas”, do Juiz de Partida, devem colocar-se imediatamente na posição de partida, com pelos menos um pé na parte dianteira do bloco. A posição das mãos não é relevante. Quando todos os nadadores estiverem imóveis, o Juiz de Partida deve dar o sinal de partida.
[…]
SW 4.4 – Qualquer nadador que parta antes do sinal de partida ser dado será desclassificado. Se o sinal de partida soar antes da desclassificação ser declarada, a prova continuará e o nadador ou nadadores serão desclassificados após a prova terminar. […]
A desclassificação é feita baseada na regra SW 4.4, mas é verdade que o fato da atleta não estar imóvel no momento da partida, como indica a SW 4.1, é algo que precede a consequência para a SW 4.4.
Em eventos fora do Brasil, já vimos desclassificações durante a partida com a justificativa “o atleta estava em movimento para frente contínuo antes do sinal de partida“, o que parece uma descrição mais adequada para justificar o cumprimento da regra SW 4.4.
A regra da partida está mais detalhada em artigo anterior (A saída de Mergulho) e até houve justificativa de árbitro geral FINA de outra desclassificação feita em Campeonato Brasileiro (Esclarecimento oficial sobre ocorrências em Belém) e lembramos que também uma outra medalhista olímpica, Poliana Okimoto, foi desclassificada pelo mesmo motivo durante o Troféu Brasil de 2008, realizado em São Paulo, mas na prova de 1500 metros livre.
[adicionado 04/04, 20h07] Existem comentários acerca da justificativa de que “não houve ganho”, “foi a pior saída”, “isso não traz vantagem ao atleta”, entre muitos outros. Os variados comentários não encontram respaldo na regra, já que não há definição no momento da partida se um movimento dá ou não vantagem. O que há é que não pode haver movimento algum, seja ele nas pernas, braço, cabeça, ombro, cintura, corpo.
Possenti ainda expôs em sua conta do Instagram o seguinte:
Aqui é preciso considerar que o árbitro geral é a autoridade máxima na execução da competição e é ele quem julga protestos durante a competição em curso:
SW 2.1.1 – O Árbitro Geral deve ter completo controle e autoridade sobre todos os juízes, aprovar as suas atribuições de funções e instruí-los acerca de todas as características e regras especiais relacionadas às competições. Ele deve fazer respeitar todas as Regras e determinações da FINA e decidirá todas as questões relacionadas com a condução do evento, prova ou competição, cuja decisão final não esteja prevista nas Regras.
SW 2.1.2 – O Árbitro Geral pode intervir na competição, em qualquer momento, para fazer observar as Regras da FINA e deve julgar todos os protestos referente a competição em curso.
“Em curso” significa que é durante a competição porque ainda é possível recorrer a um Juri de Apelação:
GR 9.2.3 All protests shall be considered by the referee. If he rejects the protest, he must state the reasons for his decision. The team leader may appeal the rejection to the Jury of Appeal whose decision shall be final. In Olympic Games and World Championships the Commission in each discipline shall consider the protest and give recommendations to the Jury of Appeal.
Não há recordação de haver um Juri de Apelação durante um único Campeonato Brasileiro na história, por isso todo protesto é julgado pelo próprio árbitro geral – que também faz parte do Juri, já que ele seria o único ou um dos poucos Delegados FINA na competição:
GR 9.3 Jury of Appeal
GR 9.3.1 For Olympic Games and World Championships, the Jury of Appeal shall be composed of the Bureau Members and Honorary Members present with the President or in his absence a Vice President, as Chairman. For all other FINA competitions, the Jury of Appeal shall be the FINA delegate together with any Bureau Members or members of the appropriate Technical Committee present, with the delegate as chairman. Each member shall have one vote, except as provided hereunder, and in case of equality of voting, the Chairman has a casting vote.
Então é errado dizer que não houve direito em protesto: todo representante pode protestar contra uma decisão do árbitro geral durante a competição.
Um pensamento incorreto, principalmente no calor do momento, é achar que a regra está ali para punir determinado atleta: ela é uma padronização de processos e definição de ações adotada e seguida por todos os participantes da competição, e amplamente divulgada.
Interessante que para Sun Yang na olimpiada de 2012 o pensamento foi exatamente oposto. Não só se moveu como caiu na água.